Nautilus: 20 minutos de Mil Grau

João Varella
4 min readSep 21, 2020
Membros do canal Nautilus

Experimente entrar em uma transmissão do canal Nautilus e chamar os participantes de cuzão, de pau no cu, playboy, imbecil e corno. Um moderador deixaria? Pois foi assim que eu, João Varella, fui chamado, nesses exatos termos, sem poder responder.

Surpreende porque as ofensas vieram de donos de microfones seguidos por dezenas de milhares de pessoas. Aconteceu no programa Periscópio de 22 de agosto de 2020, que teve a participação de Ricardo Regis, Clarice, Lucas Zavadil e Henrique Antero.

Com a desculpa de discutir uma reportagem que escrevi no Start, sobre um emulador disfarçado de navegador, os mencionados dedicaram 20 minutos de ataques. Usaram minha vida pessoal e profissional, com informações que não tem relação com a matéria.

Atacaram o livro que escrevi¹, minha editora independente², distorceram fatos para me apresentar como um playboy³. Mentiram. Usaram palavrões.

Nesse vale-tudo, o Nautilus exibe a retórica dos canais extremistas antijornalismo. Ironicamente, um deles, o Xbox Mil Grau, foi boicotado pelo próprio Nautilus.

O tiro sai pela culatra. Os membros do Nautilus admitem que são capazes de pedir livros em cortesia para fazer piada, que não leram a matéria, que desconhecem o básico do jornalismo, entendem a profissão como mera busca por audiência.

A tentação (e reação natural) é responder na mesma moeda. Seria até fácil, dada a quantidade de imprecisões, cacoetes e dificuldade dos participantes em articular argumentos.

A revanche, porém, é a base do ambiente extremista e estressante em que vivemos. A comunidade do videogame tem aptidão especial para esse tipo de rinha fomentada pelo Nautilus.

Henrique Antero afirma no programa que eu deveria “chorar em casa”¹⁰ diante dos ataques. Pedi direito de resposta. Seria uma oportunidade de debate frontal, democrático e educado no podcast. Sem surpresa, seguiram a cartilha do radicalismo: a solicitação foi negada.

Jornalista não é notícia. Daria para deixar passar, ninguém deu muita importância ao Nautilus. Mas quando se trata de violência e intimidação ao trabalho da imprensa, o silêncio ajuda os agressores. Podcasts como o Periscópio#16 normalizam ataques a repórteres, trivializam o inaceitável.

Resolvi aqui esclarecer uma pergunta que ronda a gritaria do Nautilus: Para que fazer essa reportagem sobre o emulador? O próprio Nautilus encontrou parte da resposta.

Vendido pela Microsoft, emulador TNavigator dava acesso a jogos piratas

O app retratado na matéria oferecia acesso a jogos antigos de produtoras como Konami, Nintendo e Sega. Era vendido pela Microsoft e rodava no console Xbox One.

Durante o programa, Henrique Antero me apresenta como “advogado de empresa”¹¹. Apesar da incoerência, depois viro o oposto, um “X9”, interessado em prejudicar um esquema em que a Microsoft seria ciente¹². Ambas versões são incorretas.

O que faz um fato virar reportagem? A isso se dá o nome de noticiabilidade, é um critério técnico.

A matéria em questão atende diversos requisitos. É inusitada, inédita (a imprensa não havia reportado o caso), regional (TNavigator é de um brasileiro), afeta muita gente (milhões de usuários da Microsoft Store; TNavigator baixado por dezenas de milhares), interesse do público, interesse público (novos elementos à discussão pirataria/emulação; governo federal chegou a se manifestar), entre outros.

Noticiabilidade norteia qualquer editoria, não só videogame. Serve também para assuntos de esporte, política, economia, cidades, cultura, por aí vai.

Portanto, sim, o TNavigator vale a pauta, por mais que contrarie os interesses de alguns. Tanto que a matéria repercutiu em outros veículos como fonte primária.

O mesmo Nautilus afirma que um editor pode publicar algo que discorda por achar a discussão válida¹³.

É uma ótima maneira de se descrever o interesse jornalístico. Por que excluir repórteres dessa lógica? Editor e repórter são funções do jornalismo, partem do mesmo preceito.

A matéria sobre o TNavigator poderia ter provocado diversos debates, como direito autoral, preço, curadoria, segurança dos apps de Xbox. Porém, o Nautilus resolveu que o mais importante era me difamar.

***

As notas de rodapé fazem referência a transcrições do programa que podem ser vistas aqui.

***
Atualizações: 21.09.20 às 15h38 - o quinto parágrafo foi reescrito para deixar claro que o comparativo é com a retórica de antijornalismo dos canais extremistas.

23.09.20 às 09h24 -sobre as notas de rodapé, desde o começo este texto tem um link para ouvir o programa na íntegra. Coloquei notas para exemplificar, com pequenos trechos, os pontos que me refería. Após serem apontadas faltas importantes, as acrescentei.

--

--